A recente postagem de Felca — youtuber conhecido por seu humor sarcástico — trouxe à tona um assunto delicado: a adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais. Para comentar de forma técnica e amparada em bases legais, vamos explorar o que é adultização, quais leis foram violadas nos casos apontados e como pais, criadores de conteúdo e plataformas podem agir.
O que é adultização?
Adultização é o fenômeno de expor menores de idade a comportamentos, linguagens e aparências próprias de adultos, muitas vezes com conotação sexual. Segundo a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), crianças e adolescentes têm direito à dignidade, ao respeito e à imagem (art. 17). Quando um adulto estimula ou grava uma criança dançando de forma sensual, ingerindo bebidas alcoólicas ou participando de brincadeiras sexualizadas, está violando esses direitos.
Aspectos legais
1. Proteção no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Os artigos 17 e 18 do ECA garantem o direito ao respeito e à proteção integral contra qualquer forma de violência ou opressão. Já os artigos 241 e 241‑A tipificam como crime produzir ou divulgar cenas de sexo explícito ou pornográficas com participação de menores — com penas que vão de 4 a 8 anos de reclusão, além de multa.
Nos casos citados por Felca, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) já investigava o influenciador Hytalo Santos desde 2024 por exploração da imagem de menores. As denúncias apontam que adolescentes são mostrados usando roupas sensuais, ingerindo bebidas alcoólicas e tendo a imagem sexualizada em busca de engajamento.
2. Responsabilidade das plataformas e o Marco Civil da Internet
Pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), provedores de aplicações têm obrigação de guardar registros de acesso e cooperar com investigações. O art. 19 prevê que as empresas só são responsabilizadas civilmente caso não cumpram ordem judicial de remoção de conteúdo; porém, o art. 21 estabelece a remoção rápida de conteúdo íntimo não autorizado. Felca criticou a omissão das plataformas, argumentando que algoritmos continuam a recomendar vídeos com menores sexualizados.
3. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
A LGPD (Lei 13.709/2018) traz salvaguardas para o tratamento de dados de crianças. O art. 14 exige consentimento específico dos pais ou responsáveis e determina que qualquer uso de dados pessoais de menores deve ser realizado em seu melhor interesse. Publicar vídeos de menores em situações constrangedoras fere esse princípio, podendo acarretar multas e sanções administrativas.
4. Responsabilidade civil dos pais e criadores de conteúdo
Além das sanções penais, pais e responsáveis podem responder civilmente por danos morais se colocarem filhos em situações vexatórias ou sexualizadas. Há precedentes em que famílias foram condenadas a indenizar filhos por exposição indevida. O Código Civil (art. 186 e art. 927) prevê reparação integral quando há violação de direito da personalidade.
Casos citados por Felca
No vídeo, Felca menciona três casos principais:
- Hytalo Santos e Kamylinha: Influenciador investigado pelo MPPB por exploração de menores. Felca mostra como a adolescente, hoje com 17 anos, aparece nos vídeos desde os 12 anos em situações altamente sexualizadas. Após a repercussão, as contas de Hytalo e da jovem foram suspensas nas redes sociais.
- Bel Para Meninas: Canal infantil investigado em 2020 pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, após denúncias de internautas sobre superexposição e comportamento abusivo por parte da mãe da menina.
- Carolyne Dreher: Caso em que a mãe teria vendido conteúdos íntimos da própria filha para grupos de pedofilia no Telegram. Embora menos divulgado pela mídia, Felca usa o exemplo para ilustrar que, mesmo dentro de casa, pode haver exploração sexual.
Como as autoridades têm reagido
O vídeo do Felca levou o Instagram a desativar perfis denunciados em menos de 24 horas. O Ministério Público da Paraíba, que já investigava alguns casos, ampliou as apurações. A deputada federal Erika Hilton, por exemplo, elogiou o influenciador por expor essas práticas e informou que acionou a Polícia Federal para reforçar a investigação.
Como você pode agir
A conscientização é o primeiro passo. Ao produzir ou consumir conteúdo com crianças, reflita se aquilo preserva a dignidade da criança. Evite divulgar detalhes pessoais e nunca incentive comportamentos sexualizados. Se você se deparar com material impróprio:
- Faça denúncias nas próprias plataformas.
- Ligue para o Disque 100, o canal de denúncias de violações de direitos humanos.
- Utilize o sistema de denúncias da Polícia Federal (Comunica PF).
- Consulte o Conselho Tutelar local.
Também é importante diferenciar crítica fundamentada de difamação. Felca foi acusado injustamente de pedofilia por seguir perfis de menores durante sua investigação. Em resposta, ele anunciou que processará mais de 200 perfis de usuários por difamação, retirando as ações mediante pedido de desculpas e doação a instituições de apoio à infância.
Complementando com nosso vídeo
Para quem quiser se aprofundar, produzimos um Reels que resume essas questões legais em menos de um minuto. Ele pode ser assistido aqui:
A combinação entre o vídeo do Felca, nosso Reels e este artigo oferece um panorama jurídico e técnico robusto sobre o tema.
Conclusão
A internet não pode ser terra sem lei. A adultização de crianças não só viola direitos fundamentais como é crime em determinadas circunstâncias. O vídeo de Felca conseguiu evidenciar práticas que precisam ser coibidas e mostrou que a pressão da sociedade pode trazer resultados rápidos, como a suspensão de contas e a mobilização do Ministério Público. Enquanto pais, espectadores e criadores de conteúdo, cabe a todos nós reconhecer os limites legais, denunciar práticas abusivas e exigir que plataformas e autoridades atuem para proteger quem é mais vulnerável: nossas crianças e adolescentes.