Crédito Rural: Como identificar juros abusivos e cláusulas ilegais em Contratos de Financiamento Agrícola
Produtor rural, você sabia que pode estar pagando valores indevidos em seu financiamento agrícola sem sequer perceber? Muitos contratos de crédito rural, mesmo firmados com instituições financeiras tradicionais, contêm cláusulas que ultrapassam os limites legais estabelecidos pela legislação brasileira — o que pode gerar prejuízos significativos ao seu patrimônio e à sustentabilidade da sua atividade produtiva.
Nos últimos anos, a judicialização de contratos bancários no setor do agronegócio tem crescido, impulsionada pela constatação de abusos como juros acima do permitido, anatocismo, práticas comerciais desleais como a venda casada e operações irregulares de rolagem de dívida (conhecidas como “mata-mata”). Tais práticas ferem tanto a legislação bancária quanto normas específicas do crédito rural.
📌 Principais cláusulas abusivas nos Contratos de Crédito Rural
1. Juros acima dos limites legais
A cobrança de juros remuneratórios ou moratórios superiores aos patamares definidos em lei ou normativos administrativos configura abuso. O Manual de Crédito Rural (MCR), editado pelo Banco Central do Brasil, fixa tetos máximos para cada linha de crédito rural, conforme o tipo de financiamento e o perfil do produtor. O desrespeito a esses limites autoriza a revisão contratual judicial com base nos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, conforme os artigos 421 e 422 do Código Civil.
2. Anatocismo (juros sobre juros)
A capitalização de juros de forma mensal, quando não expressamente pactuada ou sem respaldo legal, é vedada pelo ordenamento jurídico. O Súmula 121 do STF estabelece que “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. Já o STJ, no Recurso Especial 1.058.114/RS (julgado sob o rito dos repetitivos), condiciona a validade da capitalização mensal à existência de pacto expresso e claro no contrato.
3. Operação mata-mata (renovação sem quitação real da dívida)
Essa prática consiste em refinanciar uma dívida vencida por meio de nova operação, ocultando a inadimplência e gerando um novo contrato com encargos cumulativos. Quando não há clareza para o produtor rural, tal prática fere o dever de transparência (art. 6º, III, do CDC) e pode ser considerada desvio de finalidade contratual, autorizando a declaração de nulidade da operação.
4. Venda casada
A exigência de contratação de seguro rural, consórcio, título de capitalização ou qualquer outro serviço como condição para a liberação do crédito caracteriza a chamada venda casada, prática expressamente proibida pelo art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A jurisprudência é pacífica no sentido de que tal exigência compromete a liberdade contratual e desequilibra a relação entre banco e produtor.
📚 O que diz o Direito do Agronegócio
O crédito rural é uma política pública regulada por normas específicas, destinadas a fomentar a produção agropecuária nacional. A base legal mais importante é o Decreto-Lei nº 167/1967, que dispõe sobre os títulos de crédito rural, e o Manual de Crédito Rural (MCR), instrumento normativo do Banco Central.
Além disso, o Código Civil (artigos 421 a 426) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) são plenamente aplicáveis aos contratos de crédito rural, especialmente quando envolverem produtores familiares ou em relações de hipossuficiência técnica ou econômica frente à instituição financeira. A Resolução CMN nº 4.491/2016 também estabelece diretrizes para boas práticas nas operações de crédito.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido o direito à revisão judicial dos contratos bancários com base na teoria da função social do contrato e no princípio da transparência, permitindo ao Judiciário adequar cláusulas que contrariem os interesses legítimos do produtor ou estejam em desacordo com os normativos do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).
⚖️ O que fazer se você identificou um problema?
Caso perceba qualquer sinal de abusividade — como taxas não informadas, valores diferentes dos contratados, refinanciamento sem explicação clara ou imposição de contratação de produtos —, você tem o direito de buscar a revisão judicial do contrato. A ação pode pleitear:
- A anulação ou modificação das cláusulas ilegais;
- A devolução em dobro dos valores pagos indevidamente, com base no art. 42, parágrafo único, do CDC;
- A suspensão imediata da cobrança enquanto durar o processo judicial;
- A indenização por danos materiais e morais, em caso de prejuízo relevante.
O ponto de partida é sempre a análise técnica detalhada do contrato por um advogado especializado, capaz de identificar falhas formais, cláusulas abusivas e eventuais vícios de consentimento.
Proteger seu patrimônio é um direito
Cláusulas abusivas não podem ser normalizadas como parte do “custo do crédito”. Quando o contrato viola a legislação, há fundamento jurídico sólido para buscar a sua revisão. O produtor rural tem direitos específicos garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro — e o Poder Judiciário tem se mostrado receptivo a essas teses, quando devidamente fundamentadas e instruídas.